Daniel Bicalho, O LIVREIRO

Minha experiência com os livros começou bem cedo. Aprendi a ler e ao mesmo tempo aprendi o caminho da biblioteca pública. Dei meus primeiros passos como Daniel Bicalho, o livreiro. Lia de quadrinhos as crônicas da coleção Para Gostar de Ler, a enciclopédia ‘O Tesouro da Juventude’… o que pintasse eu traçava. Maria Clara Machado. Ziraldo. Malba Tahan. Stanislaw Ponte Preta. Paulo Mendes Campos… lia de tudo. Alguns cinco, dez vezes. Alguns eu decorei. 

Um ou outro sei de cor até hoje. Conheci pessoas muito interessantes entre as prateleiras da Biblioteca. Algumas nunca mais vi. Outras sou amigo até hoje. Todas me ensinaram alguma coisa. Conheci Shakespeare. Li Dom Quixote. Tentei ler o Dostoiévski. Tentei várias vezes ler o James Joyce. E ‘Em busca do tempo perdido’. Mas li o Kafka, Garcia Marquez, Erico Veríssimo…

A cidade não tinha livrarias. Haviam papelarias que vendiam alguns livros. Nada muito convidativo. Mas havia uma festa literária anual, com uma enorme feira de livros. Era o oásis no meio do deserto. Mas durou pouco, três ou quatro anos. 

Então meus pais resolveram abrir uma livraria. Pequena. Bem pequena. Tínhamos mais livros em casa que na livraria. Mas era um começo. Ali comecei a entender mais sobre a ‘economia do livro’: editoras, distribuidoras, livrarias, livreiros, leitores. E autores, muitos autores. Conheci alguns ‘ídolos’. Ziraldo, Bartolomeu Campos de Queirós, Fernando Sabino… 

Conheci pessoas importantes dentro do mercado livreiro em Minas Gerais e no Brasil. 

Aprendi a amar, além dos livros, o mercado: a importância das livrarias para a bibliodiversidade, os livreiros, verdadeiros formadores de leitores no interior do país; os editores, incansáveis em descobrir novos autores e livros. Entendi como a roda do livro girava e quando notei, já estava ajudando a roda girar. Virei livreiro. 

Uma vez ouvi de um editor em Belo Horizonte: ‘cuidado menino! Quem prova dessa cachaça não larga mais’. E estou aqui: ainda livreiro, 30 anos depois. E fico feliz em poder utilizar toda a experiência que adquiri neste tempo todo para tornar mais eficaz o meu trabalho com os livros. Produzo festas literárias, promovo lançamentos, edito livros. Também escrevi alguns livros e editei um deles: “Como Enfrentar um Boi Bravo”. 

Conviver com livros me ensinou a respeitar e entender a importância destes objetos. Me lembro do livro ‘Dez Mil’, do italiano Andrea Kerbaker, lançado por aqui pela Ed. Rocco no começo dos anos 2000. Nesta obra, um livro é a personagem principal e narra a sua própria história. Às vezes se frustra por ninguém o escolher. Outras vezes se sente aliviado por não ser o escolhido: “Estava tão satisfeito em ter o meu espaço no centro da cidade. Numa loja onde os donos e os vendedores lêem você, conhecem os segredos guardados”. 

Os livros sabem da importância das boas livrarias e dos bons livreiros. E os livros sabem identificar os seus leitores. Saibam que nem sempre somos nós que escolhemos os livros. Na maioria das vezes, eles nos escolhem. 

Deixo aqui, então, uma dica de velho livreiro: fique atento para os livros que te chamam. E atenda ao chamado desses livros. Você vai se surpreender.

E confie no livreiro! Converse com ele sobre seus livros e peça indicações. Deixe a magia agir! O livro que vai mudar a sua vida pode estar te esperando na prateleira de uma boa livraria. 


Continue lendo

Sobre nós Como surgiu